O que não te falaram sobre o enduro - parte 1

Você acha que o enduro é uma modalidade mais fácil do que o XCO? O que vimos em Campos do Jordão na última edição da Sense Enduro Cup foi uma surpresa para muita gente, até para alguns atletas bem experientes na modalidade. 

Por Breno Bizinoto

É comum a gente pensar que a modalidade que tem mais pessoas se divertindo, que tomam mais cerveja e que comemoram uma competição até de madrugada (mesmo quando perdem), pareça ser mais relaxada e mais fácil do que outras como o XCO e o ciclismo de estrada. Não é de hoje que as pessoas pensam que o enduro é uma modalidade que exige menos preparo físico, afinal, "as subidas nem valem nada".

Me lembro da minha primeira competição de enduro, no Chile, em 2018. Era uma prova de 3 dias pela cordilheira dos Andes, com pistas dignas de um EWS (Enduro World Series, a copa do mundo de enduro). Os campeões das categorias elite masculina e feminina eram um casal, dos Estados Unidos. Mike e Mary. Assim que eles subiram no pódio, fiquei sabendo que eles competiam Cross Country e participaram de todo o circuito das Copa do Mundo e Campeonatos Mundiais da UCI, disputando frente a frente com aquela elite que estamos acostumados a ver: Nino Schurter e companhia.

O cara que ganhou já tinha sido campeão nacional de XCO lá nos Estados Unidos! Já pensaram que título importante é esse? E agora, estava competindo enduro no Chile - e vencendo com aparente maestria.

Fui conversar com os dois e eles confirmaram toda a história da trajetória deles. Eu era um dos poucos que estava ali sem ser praticante do enduro. Cometi uma gafe. Uma mancada que gostaria de poder voltar no tempo e apagar aquilo. Seria incrível poder voltar atrás e deletar as porcarias que a gente fala. É que eles contavam sobre as antigas disputas de XCO como se aquilo tivesse sido um grande feito, e me pareceu que com a migração do XCO para o enduro eles pareciam bem mais felizes e realizados (o que de fato era verdade), mas depois eu fiz uma inferência que não tinha nenhum sentido. Perguntei:

- Então hoje em dia, que vocês migraram do XCO para o Enduro, é bem melhor ter uma rotina de treinos menor, não é?

Que mancada cara. Eu vi os dois arregalarem o olho, tamanho absurdo que eu falei. Eles não ficaram ofendidos, mas tentaram buscar explicações para eu entender como era a rotina de treinos deles.

- Não! Nós treinamos muito mais do que na época do XCO!! - disseram. Continuaram:

- Acontece que no enduro nós precisamos fazer mais treinos além da bike: muito pilates, yoga e musculação! Várias sessões de treinos em um dia!

Hoje eu entendo que essa musculação que eles citaram é bem diferente daquela que os atletas de XCO fazem eventualmente. Os caras do enduro puxam ferro como se fossem disputar um campeonato de homem mais forte do mundo. Não tem esse negócio de 20 repetições com os pesos coloridinhos não. Eles colocam a anilha mais pesada que conseguirem e fazem repetição até a falha, geralmente 8 ou 10 repetições. Às vezes menos!

"Ah mas eles nem precisam subir rápido!". Cara. Não. Não dá mancada igual eu dei. Vamo lá.

O que assustou os atletas do Sense Enduro Cup em Campos do Jordão foi justamente a quantidade de subidas. Dois mil metros de subida. Ok, você deve estar se remoendo aí dizendo que o XCO tem muito mais que isso e ainda são subidas cronometradas, que você precisa acelerar. Vou tentar te relatar aqui qual é a grande dificuldade de se fazer uma subida não-cronometrada.

Existe um fantasma chamado "tempo de deslocamento". Você não vai ganhar posições se fizer um tempo de deslocamento melhor ou pior, mas vai perder muitas posições se estourar esse tempo, pois vai atrasar a sua largada e esse tempo de atraso vai entrar na cronometragem da sua descida!

A todo momento que você está pedalando durante a subida não cronometrada, precisa fazer as contas pra saber se você corre o risco de extrapolar o tempo determinado pela organização, que foi pensado para deixar a prova difícil, não o inverso. O atleta não pode gastar energia demais, mas muito menos, gastar energia de menos.

E às vezes pedalar muito lento é um problema: você acaba gastando mais energia. Uso a comparação de um carro: Dirigir na primeira marcha o tempo inteiro faz você gastar mais gasolina, mesmo andando mais lento, concordam? A mesma coisa é o nosso corpo. Temos que desenvolver uma velocidade mínima na subida para atingir o ponto de equilíbrio do menor gasto energético do nosso corpo. E é muito difícil encontrar esse meio termo da velocidade ideal para subir com o mínimo desgaste possível e ainda fazendo as contas para saber se vai chegar a tempo do seu horário de largada lá em cima.

O fator ansiedade pode te fazer acelerar demais, assim como pode te fazer chegar atrasado para a largada. Além disso, não é uma boa estratégia chegar 30 segundos antes da sua largada. Você precisa ter alguns minutos para descansar da pancada da subida, se alimentar e preparar todo seu equipamento.

"Preparar o equipamento" parece bobagem, mas vocês não acreditam na quantidade de pessoas que largam com as suspensões travadas, por puro esquecimento e cansaço da mente. Vários atrasam a largada por que estão colocando as luvas e joelheiras que tiraram enquanto estavam descansando.

Eu optei por acelerar mais na subida, até por que estava com uma bike rígida e muito mais leve do que os outros competidores, então usei essa facilidade para ter mais tempo para descansar lá em cima antes da minha largada. Foram 5 horas de prova, tive prego de fome e precisei usar vários aprendizados das longas distâncias.

Vi gente perdendo o tempo de corte e largando 2 minutos atrasado, o que acaba totalmente com a sua classificação geral e performance na descida.

Enduro é muito difícil e as provas mais sérias e exigentes sabem utilizar as subidas (não cronometradas) como um fator de extremo desafio físico e estratégico para os atletas.

Ah é. E a performance na descida? Semana que vem vou explicar o por quê o comportamento em uma descida de enduro é totalmente diferente e te faz ficar QUEBRADO em poucos minutos. Enquanto isso, vai treinando mais. Muito mais.